Carmen Staats, agricultora agroecológica e fundadora do Mercadinho do Botânico – Lousã, Coimbra

Carmen, alemã de origem, estudou medicina mas seguiu um rumo diferente ao estabelecer-se, nos anos de 1980, na serra da Lousã como agricultora. Filha e neta de agricultores, começou por cultivar para consumo familiar e mais tarde para venda. A sua escolha intrigava muitos dos locais: “Naquela altura ninguém entendia por que razão dois alemães estavam a mudar-se para o meio rural em Portugal, quando os portugueses das aldeias estavam a emigrar para a Suíça, Alemanha ou França.”

Foi uma das primeiras pessoas da região a praticar a agricultura biológica, algo que inicialmente parecia “fora deste mundo”, comenta. Recorda episódios como o de um vizinho octogenário, que, numa tentativa de ajudar, aplicou químicos na sua horta durante a noite. “Levou um raspanete”, refere. Os anos trouxeram mudanças: os vizinhos passaram a perguntar-lhe como cultivar sem pesticidas, mostrando interesse em reduzir o uso de produtos químicos. “É interessante”, reflete.

Carmen dedica-se sobretudo à horticultura em pequena escala, privilegiando a diversidade em detrimento de grandes volumes. Essa opção pela diversidade ajuda a mitigar riscos, explica. Defensora dos circuitos curtos, vende diretamente ao consumidor: “É mais justo, tanto para mim como para o consumidor.” Considera que os grandes problemas surgem quando os agricultores dependem de cadeias de supermercados, que “é um crime que fizeram aos agricultores”, menciona.

Acredita na força do trabalho em coletivo. Organizou, com outros produtores ecológicos, um mercadinho de trocas e vendas na Lousã. Este projeto evoluiu, levando-a a co-organizar o Mercadinho do Botânico em Coimbra, localizado junto à universidade. Durante anos, este espaço reuniu 16 a 20 agricultores, alguns certificados em modo biológico, outros não. Para garantir a qualidade dos produtos e a confiança dos consumidores, implementaram um sistema de certificação participativa, com visitas às explorações dos produtores, que “funcionou muito bem”.

Com a pandemia, o Mercadinho foi encerrado e não foi retomado. Atualmente, Carmen e outros produtores vendem no Mercado do Calhabé, em Coimbra, onde continuam a promover os princípios da agricultura sustentável e da venda direta.

Carmen afirma que nunca sentiu barreiras enquanto mulher na agricultura: “Para mim, não existiam”. Embora no início enfrentasse resistência dos tratoristas em aceitar indicações de uma mulher, ao longo do tempo conquistou o respeito deles. Reconhece, no entanto, que o facto de ser estrangeira lhe pode ter conferido um estatuto especial: “De mim aceitavam comportamentos que, certamente, não aceitariam das suas próprias esposas”.

Refere que na pequena agricultura predominam as mulheres, especialmente na horticultura e fruticultura, áreas que não exigem maquinaria pesada nem grandes extensões de terra. Estas mulheres acumulam o trabalho agrícola com o trabalho doméstico, um duplo esforço que Carmen considera admirável: “São fantásticas em fazer várias tarefas ao mesmo tempo.”

Nos mercados que frequenta, nota que são geralmente as mulheres que vendem os produtos, enquanto os homens, mais encarregues do trabalho com tratores, desempenham tarefas mais distantes das hortas. No entanto, nas gerações mais novas, observa uma distribuição mais igual das responsabilidades entre homens e mulheres, refletindo as mudanças culturais da sociedade.

Quando chegou à serra da Lousã, lembra-se que as mulheres não entravam nos cafés. A seu ver, isto era um reflexo das desigualdades de género da sociedade da época. Hoje, esse cenário mudou, menciona. No entanto, Carmen destaca que no mundo rural sempre existiu uma divisão clara de tarefas entre homens e mulheres, mas com respeito mútuo e equilíbrio. Contudo, reconhece que essa realidade está em transformação, especialmente entre os mais jovens, onde as dinâmicas de género se tornaram mais flexíveis.

Carmen critica fortemente as políticas que promovem importações e exportações massivas de alimentos, prejudicando os agricultores locais e os países mais pobres. Para ela, o apoio à venda direta e aos circuitos curtos é essencial para fortalecer a agricultura sustentável e a economia local. Também defende uma maior valorização das práticas agrícolas ecológicas e da produção local, considerando-as o caminho certo para um futuro mais justo e equilibrado.

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