
Fátima Costa, agricultora tradicional e trabalhadora agrícola, membro da Cooperativa Integral A Geradora – Póvoa do Concelho, Trancoso, Guarda
Fátima tem uma vida marcada pela ligação à terra e o trabalho agrícola. Tem a 4ª classe e começou cedo a trabalhar na agricultura com os pais, cultivando a batata, a castanha e o centeio, numa época em que “se ceifava muito”. Ficou viúva aos 38 anos, com três filhos em idade escolar, enfrentando desafios consideráveis. Durante alguns anos trabalhou na fábrica de calçado Rohde, que fechou. Por mais de uma década cuidou da sua mãe doente, sem apoios ou ajudas. “Tive que deitar as mãos à vida”, conta.
Nos terrenos que pertenciam ao seu pai, Fátima sempre cultivou uma pequena horta, essencialmente para consumo próprio, com um pouco de olival e milho. Apesar disso, a agricultura em pequena escala não é viável para gerar rendimentos com que se consiga viver: “Para vender é pouco, porque a agricultura não dá. Uma pessoa em miniatura, não dá”, refere. A exceção é a castanha, um produto de alta qualidade com grande procura. Contudo, o preço que pagam é pouco. Ela vende a intermediários, sendo que “o pobre do trabalhador é o que fica com menos; podiam pagar-nos um pouco mais mas não pagam.”
Apesar das dificuldades, mantém um apreço pela agricultura: “A vida na agricultura é uma coisa que eu gosto. É bom comermos mais o natural, fazermos para nós.” Evita ao máximo o uso de químicos, especialmente na produção para consumo próprio. Considera, porém, que em larga escala, estes são quase indispensáveis devido à falta de mão-de-obra.
Fátima aprendeu o que sabe de agricultura essencialmente com a mãe. Ela recorda a sabedoria dos antigos na escolha dos terrenos em torno dos barrocos (formações rochosas de grandes dimensões presentes na paisagem) para plantar o centeio. Nesta zona a água das chuvas fica retira e melhora a produção:“De volta do barroco é que dá a espiga maior”, confirmou mais tarde quando foi a vez dela de cultivar as terras. Fátima já não cultiva centeio porque refere que os preços não compensam o esforço.
Atualmente, complementa os seus rendimentos com trabalho sazonal, ao dia, noutras explorações agrícolas, designadamente na preparação de vinhas, na vindima e na apanha de maçãs. Considera ser uma grande injustiça as disparidades salariais entre homens e mulheres: “Eles fazem o mesmo trabalho e ganham mais do que nós.” Apesar dos protestos das trabalhadoras, esta diferença persiste, sendo poucas as explorações onde se paga igual por trabalho igual. Enquanto as mulheres recebem 30-35 euros por 8 horas de trabalho, os homens recebem 40-45 euros. “E se conseguimos um aumento, eles reclamam para ganhar mais e conseguem”, afirma.
Fátima encontrou na Cooperativa Integral A Geradora, criada em 2022, um espaço para partilhar experiências e dinamizar atividades na comunidade local. Após uma reunião desta cooperativa na sua aldeia sobre o papel das mulheres rurais na agricultura, começou a acompanhar de perto a ideia de formar uma cooperativa agrícola para as mulheres venderem os produtos das suas hortas, uma ideia ainda em fase de desenvolvimento.
Entre as iniciativas da Cooperativa Integral em que participa ativamente, inclui-se a realização de caminhadas, a organização de almoços na sua aldeia, a participação no grupo de teatro, e a concretização da festa anual Broca Viva, um evento que anima a aldeia despovoada da Broca. Para Fátima, em contextos onde “há pouca gente, umas morrem, as novas emigram”, é essencial estar envolvida em iniciativas como estas para promover o convívio e fortalecer os laços entre a comunidade.
Fátima refere com satifação que conseguiu realizar o seu sonho de criança, o de integrar um rancho folclórico. Comenta que sempre adorou dançar e que vibrava ao assistir aos ranchos, mas que nunca teve oportunidade devido a uma vida de trabalho para cuidar da família. “É um sonho que realizei, que eu pensava que nunca ia realizar, mas que agora realizei”, diz.
No que diz respeito à sua aldeia e ao mundo rural, Fátima refere a falta de atenção por parte do poder local, designamente quanto à limpeza e à manutenção dos espaços públicos. Em relação à agricultura, defende a eliminação das disparidades salariais entre homens e mulheres e gostaria que os pequenos agricultores tivessem um preço mais justo à sua produção.