
Ana Rita Sousa, gestora do espaço agroecológico Nativa e membro da Cooperativa Integral de Odemira – S. Luís, Odemira
Natural do Porto, Rita formou-se em Engenharia do Ambiente e envolveu-se desde cedo no ativismo ecológico, através do GAIA – Grupo de Ação e Intervenção Ambiental e da Plataforma Transgénicos Fora. Em 2009, mudou-se para o Alentejo e instalou-se no Monte Mimo, em Alvalade do Sado, mantendo o seu compromisso com o GAIA e com as campanhas em defesa das sementes livres e contra os transgénicos. Foi também uma das impulsionadoras da Festa da Semente, que já conta com mais de 12 edições.
Antes de se tornar agricultora, Rita já conhecia o conceito de agroecologia, tendo realizado várias formações em permacultura e participado numa horta comunitária no Porto. No entanto, ao chegar ao Alentejo, deparou-se com um contexto desafiante: “A enxada não trabalhava, as sementes não germinavam… e depois o Alentejo, em que tudo é plano”, o que dificultava a aplicação do zonamento típico da permacultura. Os primeiros anos foram dedicados a construir as bases da nova vida: erguer a casa, aprender a trabalhar a terra, adaptar-se ao território — tudo isto enquanto vivia a experiência intensa da maternidade. “Foi uma aprendizagem de tudo e mais alguma coisa, num grande cocktail”, recorda.
Em 2016, participou na fundação da Rede Cooperar, que nasceu de um grupo de jovens mães em busca de soluções para os desafios do quotidiano. A rede evoluiu para um espaço de partilha de saberes sobre cultivo, construção, transformação de alimentos e gestão da água, tornando-se uma plataforma essencial para consolidar a agroecologia como prática e filosofia de vida.
No ano seguinte, a Rede Cooperar criou o sistema de garantia participativa REPASTO – Reconhecimento Participado e Solidário, que trouxe “massa crítica” à aplicação prática da agroecologia. No Monte Mimo, esse sistema permitiu identificar como prioridade a intervenção nas linhas de água, o que levou à criação de uma paisagem de retenção hídrica e ao aumento da produção de hortícolas frescos para venda.
Em 2019, Rita começou a colaborar com as AMAP – Associações para a Manutenção da Agricultura de Proximidade, fornecendo cabazes de produtos frescos diretamente a consumidores, num modelo coletivo e participado. Durante quatro anos, produziu alimentos para cerca de 20 famílias. No entanto, o ritmo intenso levou-a a fazer uma pausa: “Foi preciso parar para respirar.” Ainda assim, considera a experiência profundamente enriquecedora, pois permitiu-lhe compreender que a agroecologia é um processo contínuo de aprendizagem e adaptação ao clima e ao território. Além disso, reforçou o lado social da agroecologia, promovendo o debate sobre a partilha de tarefas, riscos e decisões em coletivo.
Atualmente, Rita gere o Espaço Nativa, um café, restaurante e mercearia integrado na Cooperativa Integral de Odemira. O espaço privilegia produtos locais e permite-lhe explorar outra dimensão do sistema alimentar: o consumo. Continua assim envolvida na transição agroecológica, agora a partir do consumo. O facto de a AMAP que dinamizou ter continuado com outro produtor é, para ela, prova da resiliência e adaptabilidade da agroecologia.
A maternidade levou Rita a refletir mais profundamente sobre o significado do cuidar na agricultura. Esse período trouxe-lhe um ritmo mais lento e íntimo, mais ligado ao corpo e à escuta. Acostumada ao ativismo onde homens e mulheres partilhavam tarefas, sentiu dificuldade em conciliar o desejo de “fazer o mesmo que os homens” com a necessidade de amamentar. Foi um processo exigente de autodescoberta — mas também profundamente transformador.
Foi dessa experiência, e da de outras mães, que nasceu a Festa da Semente — uma forma de manter o ativismo enquanto cuidavam dos filhos pequenos. Para Rita, o ato de cuidar está no centro da agroecologia: envolve planear para conciliar tempos de vida e de trabalho, estar ao serviço da vida e construir coletivamente soluções para necessidades comuns. Observa que as mulheres estão muitas vezes mais ligadas a este cuidar. Nas redes em que participa, são sobretudo mulheres que dinamizam, falam de bem comum e não de recursos. “É nas grandes feiras agrícolas e associações dominadas por homens que predomina a lógica de controlar recursos e maximizar poder económico”, observa.
Rita denuncia ainda a invisibilidade do trabalho de cuidar, especialmente na agricultura. “Quando se olha para um casal produtor, a mulher, que passa mais tempo a planear, a cuidar das sementes ou a fazer tarefas menos visíveis, muitas vezes nem é reconhecida como produtora.” Para ela, esse reconhecimento é essencial para valorizar o papel das mulheres nos sistemas alimentares locais e no mundo rural.
Defensora de sistemas alimentares locais, colaborativos e construídos “de baixo para cima”, acredita na criação de redes cooperativas e comunitárias que apoiem os sistemas vivos e estejam ao serviço da vida. Um dos seus sonhos — e proposta de política pública — é transformar as áreas de regadio em paisagens de retenção de água, promovendo uma lógica de cuidado com os bens comuns e com o território.